02 novembro 2007

A Lei como Paidagogos...



Entendendo a Função da Lei

“Assim, a Lei foi nosso tutor até Cristo, para que fôssemos justificados pela fé. Agora, porém, tendo chegado a fé, já não estamos mais sob o controle do tutor”.
(Gálatas 3:24, 25 – NVI).

A palavra grega traduzida por “tutor” no texto acima, na Bíblia NVI, é Paidagogos, a ARA traz “preceptor”, a ARC “aio” e a BLH preferiu “professor”.Embora estas e outras traduções nos deixem pistas sobre o real significado do original grego, são ainda contextualmente deficientes, pois o Paidagogos desempenhava uma função que não tem um correspondente exato em nosso sistema educacional.

O Paidagogos não era um simples professor, pelo menos não no sentido que conhecemos hoje. Havia outra palavra para descrever esse papel, Didaskalos. Até a idade de 7 anos, o menino grego ficava quase que exclusivamente aos cuidados da mãe, mas se houvesse um Paidagogos, este podia opinar sobre a educação do menino. Sua função começava efetivamente na idade escolar da criança e era necessária até que esta completasse 18 anos. Seu dever consistia em acompanhá-la todos os dias à escola, zelar por sua segurança, carregar seus livros e lira e fiscalizar suas obrigações escolares. Também era dever do Paidagogos ensinar a seu pupilo tudo o que os gregos entendiam por Eukosmia, ou seja, boas maneiras, boa conduta, vida agradável. O que incluía também como comportar-se à mesa e na presença de mais velhos e vestir se de forma harmoniosa. O Paidagogos era uma fusão de ama, mordomo, acompanhante e tutor. Na Lúsis, Sócrates em um episódio tenta ensinar a um pupilo que a vida não consiste em fazer o que se quer e pergunta-lhe se o menino é seu próprio senhor e este reponde: Naturalmente que não! Tenho um Paidagogos que me leva aos meus professores.

A ocupação de um Paidagogos era um emprego de aspecto prático e trabalhoso, principalmente se a criança fosse impetuosa ou de gênio difícil. Geralmente era exercida por um escravo ou servo de confiança, antigo na família e a tarefa ganhava uma dimensão sublime. Conta-se que uma vez perguntaram a um bom Paidagogos qual era o seu dever e este respondeu: “Tornar o bem agradável ao menino”. Há registros, entretanto, que atestam também o exercício da atividade por escravos que já não tinham forças ou condições para realizar nenhum outro tipo de tarefa mais árdua. No Alcebíades, Sócrates declara que um escravo trácio havia sido dado por Paidagogos porque havia perdido a “capacidade para qualquer outro trabalho”. Encontra-se também a declaração de Péricles, ao ver um escravo caindo de uma árvore e quebrando a perna: “Pronto! Agora é um Paidagogos!”.

Como tarefa elevada ou única possível, de qualquer forma, o Paidagogos só existia para tornar o pupilo independente de seus cuidados. Xenofonte escrevendo em sua obra sobre Esparta deixou isso bem claro: “Sempre que emergem da infância para a mocidade, cessam os Paidagogoi (forma plural), cessam os mestres”. São livres. Quando Paulo falou que a Lei era nosso Paidagogos até Cristo, seus ouvintes e leitores conheciam todo o contexto cultural dessa palavra. Eles puderam compreender que a Lei tinha o dever de mostrar as “boas maneiras”, o padrão ético esperado por Deus, zelar pela segurança dos homens e integridade de seus relacionamentos até que a maturidade fosse alcançada. Se pensarmos que a revelação de Deus na história (e através dela) foi progressiva até que Jesus viesse para se revelar como o próprio Deus aos homens, conseguimos entender essa revelação como uma caminhada de aprendizado. Um cristão hoje sabe mais sobre o plano de Deus para a humanidade do que Abraão, Jacó, Moisés ou qualquer personagem do Antigo Testamento sabia. Quando Deus pisou na Terra, na pessoa de Jesus, Ele nos deu a maioridade para termos relacionamento íntimo e direto com Ele sem precisar de tutoria ou supervisão. Como Paidagogos, a Lei se tornou insatisfatória e inadequada.

Outro aspecto interessante é o que Platão levanta sobre o relacionamento do Paidagogos e seu protegido, ele diz que esse relacionamento é como o do enfermo e sua doença: “Tem de seguir a doença por onde quer que ela leve, estando incapaz de curá-la, e gasta a vida numa ansiedade perpétua sem tempo para qualquer outra coisa”. O estado de enfermidade não é algo desejável, ainda mais na impossibilidade da cura. A lei em si não tinha uma solução, mas com suas proibições e prescrições serviu para que o estado de saúde espiritual dos homens não se agravasse até que o Médico dos médicos, Jesus, pudesse chegar para curar suas almas.


---------------------------------------------------------------------------


Abreviaturas das Traduções da Bíblia citadas:

ARA – Almeida Revista e Atualizada
ARC – Almeida Revista e Corrigida
BHL – A Bíblia na Linguagem de Hoje
NVI – Nova Versão Internacional

Bibliografia Consultada:

BARCLAY, William. Palavras Chaves do Novo Testamento.
(Tradução: Gordon Chown). Vida Nova, São Paulo, 2000.

VINE, W. E. et alli. Vine Dicionário. (Tradução: MACEDO,
Luís). CPAD, Rio de Janeiro, 2002.

____________________________________________________________

Texto apresentado ao Prof Heber Simei como requisito parcial para a conclusão da disciplina "Grego do Novo Testamento I", no SEBEMGE - Seminário Batista do Estado de Minas Gerais.

Esta versão é provisória, ainda estou trabalhando numa versão definitiva que será postada em poucas semanas, se Deus quiser.

Um comentário:

Maruza disse...

Legal. Prefiro ser professora, mas não foi por falta de opção ou por não conseguir outro emprego.